O espetáculo A NEVE produzido pelo Teatro das Beiras, na Covilhã, é estruturado dramaturgicamente a partir de cinco contos de Virgilio Ferreira. Nele as personagens tipos evocam memórias ( ou um imaginário) de um Portugal interior.
Devo confessar que logo de início fui tomado por uma sensação de que “não ia correr bem”…” atores fazendo caretas demais” .., etc. Contudo, ao passar das cenas José Carretas conseguiu imprimir um ritmo e uma musicalidade a encenação que superou as dificuldades que normalmente “os personagens tipos” podem causar.
O resultado é uma encenação simples, funcional e emocionante.
O único senão, na minha opinião, dá-se quanto a cena da criança na Igreja. A manipulação dos bonecos diminutos pelo atores não permitem que o espectador possam aproveitar ou mesmo visualizar a cena. Fica lá um vazio…
Cabe destacar a cenografia.
A cenografia baseada no fio condutor do objeto “cadeira” e o texto de Virgilio Ferreira remeteu-me a Bachelard ( A Poética do espaço). Trata-se de um objeto de ligação, sempre à espera de ser preenchido por uma ação.
Das “cadeiras” de José Carretas e Nuno Lucena saem roupas, cigarros , nelas acomodam-se as pessoas a volta das mesas, empilham-se e formam Igrejas.Contam-nos memórias…”pegue lá a cadeira e nos conte algo”…””descansa”…”ouve”…
O atores cumprem bem o projeto o qual lhes foi solicitado.Destaque a atriz Sónia Botelho pelo modo como consegue não cair nas armadilhas de sua personagem e faz nos rir sem necessidade do histrionismo de caras e bocas.
O desenho de luz de Joana Oliveira e Vasco Mósa é correto.
Quanto aos figurinos tenho algumas restrições, não quanto a funcionalidade ( é funcional e adequado na maior parte das personagens), mas ao acabamento. Por exemplo: o fato do Sr. Engenheiro, penso que ele poderia ser perfeito, com bom corte, isto colaboraria na composição de um tipo “almofadinha”. De alguém que não é do lugar.Enfim, isso não ocorre.Alguém poderia me dizer – isto é só um detalhe!. Respondo:Não há detalhes no palco!
O exemplo serve para ilustrar meu comentário e, também, para valorizar e discutir o papel dos figurinos nas encenações.
Muitas vezes os figurinistas pedem algo a produção que não lhes é dado. Não me refiro aos figurinos inimagináveis. Também, nem sei se este é o caso. Mas, a minha experiência com projetos de teatro mostrou-me muitas vezes sapatos em cena não adequados, entre outras peças do vestuário, algumas vezes emprestados de alguém, entre outros exemplos. (Vou retomar esta questão num outro post.)
Por fim, A Neve é um espetáculos sem pirotecnias. Muitos podem não gostar, mas há nele uma sinceridade que às vezes nos faz falta a cena teatral contemporânea.